Teatro

Maratona Teatral

Posted on julho 20, 2007. Filed under: Daniel Bandeira, Teatro |


Há quem pense que o teatro é uma arte elitista, e não posso negar que ela aparente. Os espetáculos ocorrem em prédios, que limitam a entrada de pessoas que tenham problemas de transporte. Os espetáculos podem custar caro (isso é apenas um engano, mas fica pra outro texto). É diante desses problemas que o teatro parece ser cada vez mais uma arte não aproveitada.

É justamente por essa falta de acessibilidade que a Prefeitura de Fortaleza faz da cidade um enorme palco para o V Festival de Teatro de Fortaleza. Praças, terminais e grandes teatros de nossa cidade sediarão mais de 100 espetáculos no período de 20 de julho à 4 de agosto.

A descentralização dos espaços de exibição de espetáculos é o grande mote do FTF, que, nesse movimento, pretende alcançar novos e transeuntes públicos. “O grande objetivo do Festival é mostrar a produção de teatro que temos em Fortaleza, e que a temos em várias formas; não só o teatro italiano, mas também outras linguagens, como a da rua, a do teatro de bonecos. Pretendemos que as pessoas que vão saindo do seu horário de trabalho e que não tenham costume de ir ao teatro sejam instigadas. E a novidade deste ano é Mostra dos Bairros. Antes, eram somente nos terminais e nas praças, mas não nos centros culturais e espaços públicos das regionais. Agora, o Festival se abriu mais”, pontua Almeida Júnior, presidente da Federação Estadual de Teatro Amador (Festa).

A Mostra de Teatro de Bonecos, organizada pela Associação Brasileira de Teatro de Bonecos (Abtbon), ocupa os terminais de ônibus; a Mostra do Teatro de Rua invade a Praça do Ferreira, organizada pelo recém-rearticulado Movimento de Teatro de Rua; a Mostra Lona Livre, espaço de experimentação, ocorre sob lona de circo armada na Praça José de Alencar. “E agora estamos indo à comunidade não só levando espetáculos na Mostra nos Bairros, mas trabalhando oficinas. Não é só ‘levar’, mas abrir diálogos”, explica José Alves Neto, coordenador do Núcleo de Teatro da Funcet.

Durante o FTF, ainda ocorre o XVI Congresso Brasileiro de Teatro, com delegados de todo o País. No sábado, o FTF ainda ganha apresentação do longevo Grupo A Barraca, de Portugal, com o espetáculo Darwin e o Canto dos Canários Gregos. Por fim, ainda acontece a Mostra Repertório, com a apresentação de espetáculos do Grupo Expressões Humanas, da diretora Herê Aquino. “O Grupo tem um trabalho consolidado no teatro local, não pára de produzir e tem continuidade. Busca uma pesquisa estética e de atuação. Além de ter sido premiado com editais públicos de teatro”, explica José Alves Neto a escolha do grupo homenageado. Em 2006, o grupo escolhido foi o Bagaceira, que este ano fecha a programação do FTF com o espetáculo recém-montado PornoGráficos, no Teatro Antonieta Noronha, dia 4.


Vocês podem conferir as programações de todas as mostras ou por dia, além das oficinas, pelos sites:

Mostra Especial Adulto e Infantil: http://ftf.com.br/mostra_adulto
Mostra Paralela (Praça José de Alencar): http://ftf.com.br/mostra_infantil
Mostra Teatro nos Bairros
: http://ftf.com.br/mostra_repertorio
Mostra Teatro de Rua
(Praça do Ferreira): http://ftf.com.br/mostra_teatro_boneco
Mostra Teatro de Bonecos
(Terminais de ônibus): http://ftf.com.br/mostra_teatro_rua
Oficinas: http://ftf.com.br/oficinas_v
Programação por dia de TODO Festival: http://ftf.com.br/por_dia

Por motivos diversos o texto foi livremente e cara-de-paumente recortado e adaptado do site: http://www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/712977.html

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Bem mais que PornoGrafia…

Posted on julho 13, 2007. Filed under: Daniel Bandeira, Teatro |

“Entrei, a porta estava aberta…” E muito mais que a porta…

Eu bem sei que o intuito do Blog não é opinar e criticar a produção dos diversos temas-colunas, mas sim dissertar sobre eles. Entretanto, tratando-se de arte, seria impossível apenas teorizar. É por isso que a partir de hoje, uma vez por mês, falarei sobre o teatro como produção, a arte feita e finalizada.

O teatro cearense, de forma alguma, deixa a desejar no que se trata de contemporaneidade, mesmo que isso seja um termo complicado de se definir no teatro. Poderíamos dizer que é um teatro experimental, um teatro que busca incansavelmente fugir de padrões e que tenta trazer para o palco elementos diversos, tornando-se um teatro pluralista. E são esses elementos diversos que enchem os olhos de quem vê as peças do Grupo Bagaceira.

Desde o começo o grupo busca uma estética cênica aliada aos quadrinhos. Seja nos tons preto e branco (como na esquete GIZ), ou com o exagero de cores (na esquete Figuras), a sensação é está diante de uma animação. E isso está, mais do nunca, exacerbado na peça PornoGráficos. O próprio nome já diz o que nos espera: uma história em quadrinhos erótica.

Quem assistiu à última peça do grupo, O Realejo, poderia esperar qualquer trabalho, menos esse. O Realejo é um encanto poético aos olhos e ouvidos do espectador, traz em cena uma história épica de amor e um lirismo emocionante. Porém PornoGráficos está no extremo oposto disso, mostrando a intensa diversidade do grupo.

“Um homem sentado à uma escrivaninha desenha freneticamente sob a luz de uma luminária. O chão está tomado por centenas de desenhos eróticos, não dá nem sequer para ver o piso de madeira. Ouve-se apenas o rabiscar do lápis no papel. Uma armação de ferro cerca o palco e o fundo é um grande pano vermelho.” Está é a cena que encontramos ao entrar no teatro. A história, assim como nas revistas eróticas, chega a parecer banal: um desenhista, o Punheteiro, um ser sexual acima de tudo, sofre a revolta de suas próprias criações. Mas o que está por trás disso está muito além…

A platéia sente-se desconfortável com a constante presença de um pênis de plástico, com as cenas de nudez e com as sombras que desenham o nu nos corpos dos atores; e muitas vezes o escape desse desconforto é o riso. As tiradas sarcásticas das personagens cospem ácido corrosivo na moral da platéia. O clima erótico, sensual e sexual transcorre em toda a peça, deixando o espectador sem fôlego ao final da peça, notando-se um leve respirar, como se ninguém o tivesse feito durante os 50 minutos de espetáculo.

Rogério Mesquita, Cristianne de Lavor e Edivaldo Batista conduzem um grande espetáculo, sob texto e direção de Yuri Yamamoto. A experimentação plástica da peça, assim como a direção, são muito maduras. Vemos em cena exercícios de movimentação teatral, o uso de quadros e, assim como nas revistas, vemos um intenso contraste entre a energia dos quadrinhos pornôs e as pausas, que nos dão margem para pensar além do sexo.

Bem mais que mostrar um sexo banal, PornoGráficos quer mostrar o que há por trás daquele universo, mostrar o que há de mais escuro no interior de todos nós: um desejo compulsivo e incontrolável, uma perversão de valores morais. E acima de tudo quer transparecer uma forte carga energética contemporânea exclusivamente teatral!

“PornoGráficos”

Teatro SESC Emiliano Queiroz – 20 Horas. Temporada: 01, 07,08,21,22, 28 e 29 de Julho de 2007 – Sábados e Domingos

“Um desenhista atormentado por sua compulsão sexual busca em sua obra saciar suas fantasias e taras. Envolvido em sua obssessão, ele vê seu desenhos tomando corpo tornando imperceptível o limite entre o real e o devaneio. “

Texto e Direção de Yuri Yamamoto
Elenco: Christianne de Lavor, Edivaldo Batista e Rogério Mesquita
Sonoplastia, Cenário e Figurinos: Yuri Yamamoto
Iluminação: Rogério Mesquita e YUri Yamamoto
Supervisão Dramatúrgica: Rafael Martins
Assistente de Direção: Paula Yemanjá
Produção: Mário Alves
Assistente de Produção: Ale Rubim
Um espetáculo do Grupo Bagaceira de Teatro

Sites relacionados:

Grupo Bagaceira: http://www.teatroce.com.br/baga.html

Caderno 3, Diário do Nordeste – Teatro:

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=450419
&
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=447582

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Os Festivais dos pequenos grandes

Posted on julho 5, 2007. Filed under: Daniel Bandeira, Teatro |

É sabida a grande carência financeira no teatro, ainda mais no Nordeste, onde a arte é ainda menos valorizada. Porém, em contraponto a essa situação, a efervescência cultural local é muito intensa, e a necessidade de se fazer teatro supera esse problema. Esse foi um dos motivos que levou à realização do Festival de Esquetes.

“Esquete [do ingl. Sketch.] S.m. Teat. Pequena cena de revista teatral ou de programa de rádio ou de televisão.” Novo Dicionário Aurélio.

Na foto o ator Silvero Pereira, na esquete Uma Flor de Dama,
que depois tornou-se espetáculo longo.

A esquete é uma cena curta, um mini-espetáculo, com tempo médio de quinze minutos. Tendo curta duração e menor custo que um espetáculo longo, tornou-se uma excelente opção para o fazer teatral. Se hoje, com o teatro ocupando cada vez mais seu espaço, já é difícil fazer e viver da arte que se faz, imagina há onze anos. Nesse tempo não havia nenhum festival de teatro em nossa cidade, e foi por isso que o diretor, ator e produtor Carri Costa criou o FESFORT (Festival de Esquetes de Fortaleza). A idéia era ter um lugar onde os grupos locais pudessem expor seus trabalhos.

O Festival disseminou a idéia das pequenas cenas, e hoje Fortaleza tem três festivais de esquetes de importante alcance: o FESFORT, o FECTA (Festival de Esquetes da Cia. Teatral Acontece) e o Festival de Esquetes Bilu e Bila. Foram nesses festivais que grandes grupos de hoje surgiram, como o Bagaceira e o Cabauêba. Hoje os festivais são abertos para grupos dos interiores também, e tornaram-se oportunidades, vezes únicas, de jovens talentos se apresentarem e crescerem.

Os festivais são competitivos e contam com uma equipe que debate os espetáculos com os grupos, possibilitando que pessoas mais experientes possam ajudar no crescimento dos trabalhos. O caráter temporal da esquete, um público garantido pelo festival e essa equipe debatedora deslimita panoramas, levando muitos grupos à ousar e experimentar novas concepções e estilos, trazendo aos palcos, cada vez mais, novos estudos e reciclagens contemporâneas.

É infinita a série de pontos positivos para esses festivais que tanto auxiliam na produção local e engrandecem a arte em poucos minutos. O FESFORT é realizado anualmente no mês de abril, o FECTA está sendo realizado essa semana, e o Festival de Esquetes Bilu e Bila está com inscrições abertas até o dia 20 de julho. Segue a baixo a programação do FECTA para hoje, amanhã e sábado. E para quem se interessar, irei me apresentar hoje às 18:30 no FECTA com a esquete Uma Palavra Por outra. (Merchan)

FECTA – Programação dos dias 05, 06 e 07.

QUINTA FEIRA- 05/07/07

  • 8H- Oficina do som ao silêncio com Tomaz de Aquino
  • 16:30H-TORTURAS DE UM CORAÇÃO- Trupe Artística Clã dos Inhamuns- Tauá (Mostra de Rua Pça Mestre Pedro Boca Rica
  • 17h- ALÔ, ME CHAMO NINGUÉM- Cia Sonhar de Artes Cênicas- Fortaleza (Mostra de Rua Pça Mestre Pedro Boca Rica
  • 17:30H – O ESPÍRITO- Cia Comossomos de Teatro e Performance Fortaleza (Mostra Paralela sala Nadir Papy Sabóia)
  • 18H- ABAJU LILÁS-Grupo Lira Fortaleza (Mostra Paralela sala Nadir Papy Sabóia)

  • 18:30- competitiva- UMA PALAVRA POR OUTRA- Grupo Trama 7 (Teatro Morro do ouro)
  • 19H- competitiva- ALÉM DO PONTO- Grupo Alexandra Marinho (Teatro Morro do ouro)
  • 19:30- competitiva- GLÓRIA E TEREZA DE ÁLBUM DE FAMÍLIA-G. Aspas de Teatro-Fortaleza (Teatro Morro do ouro)
  • 20H- competitiva A IDA AO TEATRO- Grupo Trama 7- Fortaleza
  • 20:30- DEBATE

SEXTA FEIRA- 06/07/07

  • 8H- Oficina de Rua com Pedro Gonçalves – Sala Nadir Papy Sabóia)
  • 16:30-NAS GARRAS DA VERDADE- Grupo Carruagem- Aracati (Mostra de Rua Pça Mestre Pedro Boca Rica)
  • 17H- O AFORTUNADO- Grupo de Teatro do espaço Ser Jovem-Caucaia (Mostra de Rua Pça Mestre Pedro Boca Rica
  • 17:30H – ÍNDIOS- Crianças do projeto Social Formar do Grupo Arte de Viver(Convidado) Fortaleza (Mostra Paralela sala Nadir Papy Sabóia)
  • 18H- A DEMISSÃO- Grupo Moleza Fortaleza (Mostra Paralela sala Nadir Papy Sabóia)

  • 18:30- CANSEI DE SER FRIA- Homenageado GRUPO IMAGENS- (Teatro Morro do ouro)
  • 19h- Competitiva- RERIUS, A ORIGEM DE NOSSA TABA- Cia. Teatral Caras e Bocas- Reriutaba (Teatro Morro do ouro)
  • 19:30- competitiva- BRASIL REAL- Cia. De Teatro Nós- Fortaleza
  • 20H competitiva ESBOFETEADA- Cia. Chorume Teatral- Fortaleza (Teatro Morro do ouro)
  • 20:30- competitiva- BEM ME QUER MAL ME QUER- Arriégua Produções Artísticas –Pacajus (Teatro Morro do ouro)
  • 21H- DEBATE

SÁBADO- 07/07/07- ENCERRAMENTO Teatro das Marias

20H- ONDE CANTA A JANDAIA- Cia. Teatral Acontece
21H- Premiação Mostras: Rua, Paralela e Competitiva
22:30- Festa dançante INFECTANDO com DJ Arlan Elton

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Especial: Ricardo Gulherme e o Teatro Radical.

Posted on junho 29, 2007. Filed under: Daniel Bandeira, Teatro |

Assim como disse na semana passada, hoje publico a segunda parte de uma entrevista realizada com Ricardo Guilherme: ator, dramaturgo e diretor teatral. Essa segunda parte foca-se no Teatro Radical, realizado e pesquisado desde 88 por esse gênio.

Para maior entendimento dessa matéria é fundamental a leitura da matéria da semana passada: http://blogemformacao.blogspot.com/search/label/Teatro

3. Quais as características do Teatro Radical?

Ao Teatro Radical interessa descobrir o átomo conflitual da cena. Por isso, a espinha dorsal do nosso processo metodológico vem a ser a busca do conflito radical que sintetiza a peça. Toda a nossa atenção se concentra em função da tentativa de evidenciar esse matricial, gerador e nutriente. O que nos interessa objetivamente não é encenar as situações dramáticas através das quais uma peça se desenvolve, mas sim representar o conflito fundamental, propulsor dessas situações. Para nós as situações são apenas efeitos de uma causa primordial que motiva, nutre e fundamenta todo o desenvolvimento dramático. Neste sentido, o nosso teatro é radical porque objetiva expressar as raízes, ou seja, as causas deflagradoras das situações. Fazemos, portanto, uma abordagem causal e não episódica dos fatos que estruturam uma peça. Para o Teatro Radical há uma dialética estruturante a ser descoberta por determinados procedimentos metodológicos e a ser expressada por matrizes imagéticas que vão traduzir no espetáculo a síntese da compreensão que fizermos. É, portanto, essa compreensão sintética que nós encenamos. Compomos matrizes dialéticas, nucleares, imagens que à medida que vão sendo repetidas vão adquirindo nuances, novas significações, derivações, decorrências da imagem primordial. Aplicamos o conceito de repetição criativa: a ação se repete, mas a repetição lhe acrescenta novos significados. O Radical é, por assim dizer, um teatro cosmogônico, pois se propõe a questionar as origens dos universos conflituais, suas matérias-primas, seus átomos, e a detectar as repercussões dessa espécie de conflito mater em todo o desenrolar da peça.


4. Quais as necessidades que o senhor sentia para criar o Teatro Radical?

Desde 1988, não me motivava a pesquisa da radicalidade do teatro no sentido histórico, de reconstituição dos primórdios do fazer teatral. Até porque sabemos que historicamente o teatro no Ocidente não surgiu como uma modalidade excludente de outras manifestações artísticas, mas sim como uma atividade multidisciplinar. Portanto, minha pesquisa não teria por objetivo o resgate de um teatro primordial mas sim a instalação de um teatro primário, fundado nos meios expressivos do ator, na versatilidade de sua fala e de seu corpo. Não me movia o desejo de reinstaurar o teatro no sentido de remontar às suas feições primordiais, históricas. A proposta do Radical não é fazer o ator reaprender o primeiro teatro, mas fazer o ator aprender e constituir o teatro primário. Para conceituar essa radicalidade, um dos pontos que, a princípio, logo se evidenciou foi a ênfase que deveria ser dada ao caráter de efemeridade do teatro, ou seja, ao fato de que uma encenação radical deveria depender exclusivamente das ações físicas e efêmeras do ator. No Teatro Radical é a figura do ator que instaura todos os significados fundamentais da encenação, criando imagens que estimulem a fabulação do espectador, imagens nas quais o espectador possa projetar a sua subjetividade e intervir com a sua imaginação e o seu discernimento. Essa vocação antropocêntrica e sintética que o Teatro Radical abraça remonta a Artaud e ao Grotovski dos anos 1960, com o seu conceito de Teatro Pobre, e se evidencia, por exemplo, em alguns princípios do Teatro Dialético, de Brecht, e do Teatro Antropológico, de Eugênio Barba. O Teatro Radical reprocessa e redimensiona essa tendência, estabelecendo especificidades teóricas e metodológicas. Mas há na nossa, digamos, bibliografia referencial outros autores, como Câmara Cascudo, Ariano Suassuna, Darcy Ribeiro e o livro O Tao da Física, de Kapra, cuja leitura me foi determinante para o estabelecimento da noção de complementaridade dos contrários.

5. Como o senhor avalia as experiências radicais de outros artistas, como Otacílio Alacran (“Quem dará o veredito?”), Joca Andrade (“Solo número 1 – Babel”) e Hertenha Glauce (“Viúva, porém honesta”)?

A experiência e as conceituações do Teatro Radical vêm sendo transmitidas às novas gerações. Há alguns grupos que têm o Teatro Radical como referência de estudo para a criação de seus processos criativos. Avalio essa absorção como extremamente salutar porque, além de repassarmos para outros o nosso pensamento, também aprendemos com essa diversidade de compreensões sobre a radicalidade.

6. Todo texto pode ser montado como Radical?

A aplicabilidade do Radical não exige um tipo específico de dramaturgia ou um pré-determinado contexto cultural. Qualquer peça é passível de admitir uma compreensão radical e de se deixar reger pela idéia de síntese conflitual que nós defendemos. As poéticas independem da dramaturgia. Independentemente das estruturas de uma dramaturgia, as possibilidades de concepções cênicas são múltiplas. As encenações são as repercussões de visões de mundo, são os recortes de um determinado entendimento. O Radical aciona os seus específicos mecanismos de entendimento. Trata-se de uma poética e não de uma estética. A sua sistematização, portando, configura uma metodologia que origina as estéticas de cada um dos diretores radicais. No entanto, as concepções formais provenientes da nossa metodologia de trabalho são resultados de opções deflagradas pela criação artística de quem monta esse ou aquele espetáculo na poética radical. O Teatro Radical não é a instituição de um padrão estético a ser clonado; é a instituição de uma estratégia metodológica, pois se estrutura em fundamentos macros, processuais, e não na uniformização dos espetáculos que venham a ser encenados a partir da observação a esses fundamentos.

7. O Teatro Radical ainda produz? O que podemos esperar de novo para os próximos meses?

O Teatro Radical continua, sim, produzindo. Além de montagens recentes, como a de Babel, houve a encenação, agora em 2007, de Teatra, em Brasília. Atualmente, a pesquisa em busca da Radicalidade aborda algumas novas vertentes: as supra-personas, a dramaturgia onidimensional e a dramaturgia modal.

1. As supra-personas são figuras polifônicas que transcendem suas circunstâncias socioculturais. É uma tentativa de desvincular o Teatro da lógica da verossimilhança que circunscreve geográfica e historicamente o universo vivencial das personas. A pesquisa investiga a possibilidade de dar ao criador dramatúrgico total arbitrariedade poética para inventar uma supra-realidade. Busca-se a libertação total do autor no sentido de não fazer mais mimesis, recriações, mas sim criações de uma, digamos, “realidade supra-real”.

2. A dramaturgia onidimensional é uma literatura dramática que agrega os demais gêneros, como ensaio, poesia, crônica, entrevista, reportagem, artigo, crítica etc. Não se trata de acoplar à peça referenciais não-dramáticos de outros autores, mas sim dar oportunidade a que o autor da peça, além da ficção dramática, possa ficcionar em outras modalidades literárias e incluí-las em seu texto. O autor, assim, dramatiza sua abordagem, tendo por base, não apenas a dramaturgia em si, mas múltiplos gêneros. Propõe-se, portanto, a onidimensionalidade de gêneros sobre um determinado tema.

3. A idéia de uma dramaturgia modal é a de criar não peças sobre algo, mas peças que são algo. Em uma dramaturgia modal, a peça – mais do que aludir a uma determinada temática – se converte estruturalmente na tradução textual da temática abordada. Propõe-se uma dramaturgia em que a forma em si mesma transfigura-se no conteúdo. Resulta desta transfiguração uma dramaturgia cujo tema está expresso no modo em que o texto se estrutura.


Como dica de espetáulo deixo o link de um misterioso amante da arte que vem fazendo um trabalho muito interessante para o meio teatral. O Divulgador de Teatro é um perfil anônimo que divulga espetáculos de teatro e dança na cidade de Fortaleza. Quem quiser e puder, confira as programações divulgadas por ele: http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=13801357696647865123

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Especial: Ricardo Guilherme e o Teatro Radical.

Posted on junho 21, 2007. Filed under: Daniel Bandeira, Teatro |

Muito tenho dito do teatro como arte e de forma universal. Hoje, porém, publicarei a primeira parte de uma entrevista com uma grande personalidade do teatro: Ricardo Guilherme! Ator, dramaturgo e diretor teatral, Ricardo, é um dos maiores nomes do teatro cearense, brasileiro e até mesmo mundial. Foi criador do Teatro Radical, que será tema da próxima semana.

A entrevista que segue a baixo é a primeira parte da riquíssima e maravilhosa entrevista realizada semana passada com o próprio Ricardo Guilherme. Devo creditar, antes de tudo, essa matéria ao meu grande amigo que desenvolveu as perguntas para a entrevista: Pedro Guimarães. Sendo assim, coube a mim apenas os meios de idealização, produção e realização da matéria.

ENTREVISTA DE DANIEL BANDEIRA COM RICARDO GUILHERME

1. Desde quando o senhor sentiu interesse por Teatro? Onde buscou aprendizado? Quais as suas maiores influências?

Meu aprendizado inicial nasce da dramatização da Palavra. Em 1969, aos 14 anos, eu já atuava em radionovelas nos estúdios da velha Ceará Rádio Clube. No ano seguinte, estreei no Teatro. Minha formação cênica é de autodidata. Ainda na adolescência descobri autores fundamentais como Stanislavski, Brecth, Artaud e Grotovski, dentre outros. Mas fiz também estudos de temas diversos: artes em geral, literatura, educação, comunicação social, psicologia, história, antropologia, filosofia, sociologia etc. Intuía que um ator deveria ser um humanista e que, portanto, não poderia se limitar apenas a fazer leituras sobre Teatro. Tive também o privilégio de ter como mestres Waldemar Garcia – que me despertou para a cultura teatral dos clássicos – e Clóvis Matias – que me motivou a pesquisar os folguedos, os melodramas de circo, os palhaços. Minha estréia teatral se deu na tradicional peça O Mártir do Gólgota. Este espetáculo era uma espécie de encontro de gerações. Nele atores veteranos e emergentes partilhavam experiências. Desde então, aprendi a reconhecer nos atores do passado um patrimônio de conhecimento que tem de ser reprocessado, redimensionado por novos modos do fazer teatral. Além de ter no Ceará a oportunidade de trabalhar com atores veteranos, pude ver em cena figuras oriundas da primeira metade do século XX, como, por exemplo, Dulcina de Moraes, Procópio Ferreira, Iracema de Alencar, André Villon, Henriette Morineau, Eva Todor e principalmente Dercy Gonçalves, que julgo ser a atriz mais radicalmente emblemática do século. Mais do que uma atriz, a Dercy é uma matriz. No Brasil, é ela que traz a marca do ator-cidadão, cuja representação filtra a personagem e a concebe perpassada pela personalidade do intérprete. A Dercy foi pós-moderna antes do modernismo, já era em pleno século XX uma típica atriz do século XXI ao se apoderar, ao se apropriar de tudo que fez e por ser, assim, autoral. E das matrizes de atuação dessa atriz de cem anos deriva o ator contemporâneo. Por exemplo, a Denise Stoklos. Na postura diante da vida e do teatro, ela é uma Dercy do Terceiro Milênio. Quanto a mim, acho que o meu viés de representação tem também sintonias dercyanas. As viagens que fiz (Espanha, Portugal, França, Alemanha, Angola, Argentina, Tunísia, México, Nicarágua, Cuba, etc.) me possibilitaram criar analogias, análises e subsidiar uma compreensão sobre o teatro, para ser um ator que, sim, estuda cientificamente o teatro, com todos os aportes que a contemporaneidade propicia, mas que não deixa de levar em conta o cabedal da tradição. Considero que, hoje, sou resultante dos desdobramentos de todos esses processos.

2. De todos os trabalhos realizados, quais se tornaram mais marcantes?

São quase 40 anos de carreira, mais de cem trabalhos realizados. Estive em diversos grupos e em todos eles realizei trabalhos que ampliaram o espectro do meu aprendizado até que em 1978 fundei o Grupo Pesquisa que produziu, em 1981, o solo Apareceu a Margarida, de Roberto Athayde, peça com a qual excursionei por inúmeros países. Esta montagem seria o marco de uma nova fase. Constituem outros destaques as montagens que foram marcos históricos na minha trajetória para o desenvolvimento da pesquisa sobre a Radicalidade:

1. Valsa Número Seis, primeira direção radical (1990);

2. Sargento Getúlio (1991), minha experiência inicial como ator na poética do Teatro Radical;

3. Flor de Obsessão (1993), por sua polifonia, seu caráter épico e despojado;

4. A Cantora Careca (1994), primeiro espetáculo não-solo do Radical

5. 68.com.br, por ter sido a primeira peça a reunir em cena todos os atores da Associação de Teatro Radicais Livres, consolidando o Radical como a poética de um grupo coeso (1998);

6. A Divina Comédia de Dante e Moacir (2000), por reafirmar o compromisso da minha dramaturgia com os arquétipos da cearensidade.

Segue abaixo uma breve cronologia do trabalho de Ricardo Guilherme no teatro:

Ator, dramaturgo e diretor teatral, com uma teatrografia de mais de cem espetáculos realizados, em quase quarenta anos de atividade, numa trajetória nacional e internacional, em que figuram temporadas em países da Europa, África e das Américas, além de prêmios como o concedido em 1987 pela UNESCO.
Historiador, com livros sobre a história do teatro cearense, premiado pelo Ministério da Cultura, nos anos 1970, por seu trabalho de pesquisador.
Contista, cronista, poeta, com obra publicada pela Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, Fundação Cultural de Fortaleza e Fundação Demócrito Rocha.
Jornalista desde 1978, com trabalhos de reportagem premiados pela Fundação Nacional de Artes Cênicas.
Professor da disciplina História do Teatro Brasileiro, desde 1979, no Curso de Arte Dramática da Universidade Federal do Ceará, com experiência de ensino em diversas universidades da Europa, da África, da América Central e da América do Norte.
Representante do Brasil em inúmeros festivais mundiais de teatro e congressos internacionais de encenação e dramaturgia.
Especialista em Comunicação Social e em Arte-Educação, reconhecido como Notório Saber em cursos de pós-graduação da Universidade Federal da Paraíba e Universidade Nacional de Brasília.
Fundador do Grupo Pesquisa (1978) e um dos integrantes da equipe fundadora da Televisão Educativa do Ceará (hoje TVC) e da Rádio Universitária.
Criador do Museu Cearense de Teatro (atual Centro de Pesquisa em Teatro)
Formulador da poética do Teatro Radical (1988).

Criador do Teatro Radical, Ricardo também fala da criação e realização do Teatro Radical, que serão publicados na segunda parte da entrevista, para o dia 28 de junho. Quero agradecer imensamente a enorme colaboração e disposição de Ricardo Guilherme, que se mostrou, desde o início, muito acessível para a realização dessa matéria. Ficam aqui registrados meus agradecimentos.

Como de habitual, divulgo aqui as Aulas Shows realizadas semanalmente por Ricardo:

  • Segundas-feiras no Teatro Universitário Carlos Magno, às 19:00. Entrada Gratuita.
  • Terças-feiras no Teatro SESC Emiliano Queiroz, às 19h. Entrada Gratuita.

Gostaria, também, de lembrar a peça:

TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA

Dias 21, 22 e 23 de junho às 21h no Teatro José de Alencar. Entrada: R$20,00/ 10,00 (torrinha); R$30,00/ 15,00 demais lugares. Montagem da Cia. Armazém de Teatro (RJ). Um grande sucesso de Nelson com um dos melhores grupos do país. Prêmio Eletrobras de Teatro 2006 (melhor iluminação, melhor cenografia e melhor figurino) e indicada a Melhor espetáculo e Melhor Direção.

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O grande santo demoníaco do nosso teatro: Nelson Rodrigues

Posted on junho 14, 2007. Filed under: Daniel Bandeira, Teatro |

Há alguns dias me veio uma inevitável vontade de escrever sobre o maior gênio do teatro brasileiro: Nelson Rodrigues. Não tive dúvidas com a notícia de que duas peças do autor seriam apresentadas esse mês, que seria tema de debate do projeto Pausa Dramática e tema principal da revista BRAVO! da última edição. E não temam o tamanho, pois a vida e o teatro desse homem são deslumbrantes!

Um breve [nem tanto] resumo:
Muitos achariam que Nelson é um pervertido, louco, tarado, revolucionário, exagerado e uma série de adjetivos do gênero. Mas basta citar pequenos acontecimentos de sua vida, misturados com uma incrível sensibilidade, e qualquer um entenderia. As senhoras fofoqueiras, os maridos traídos, as viúvas não-sentidas e mais uma série de casos muitos presentes em suas peças e em suas crônicas, nada mais eram do que retratos de uma vizinhança suburbana muito presente na sua infância. E desde cedo mostrou uma paixão [obsessão, diria] pelas histórias de amor e morte, como uma relação intrínseca. Aos oito anos de idade Nelson escrevera para o colégio, como tarefa de classe, uma redação que contava a história de um homem que ao entrar em casa via sua mulher nua na cama e um vulto de homem fugir pela janela; o marido traído esfaqueia a mulher e depois se ajoelha ao lado do corpo ensangüentado e perde perdão. A professora ao ler a redação quase deixa os óculos caírem e olha Nelson como se nunca o tivesse visto antes. Então ela mostra para outras professoras e logo a porta da sala era um emaranhado de senhoras olhando para Nelson. Percebe-se, então, a obsessão aliada a um gênio de grande percepção desde os oito anos de idade. Um fato marcante e determinante em sua vida foi a morte trágica de seu irmão Roberto Rodrigues. O mais bonito dos quatorze filhos, cursando a Escola de Belas Ates e ilustrador de “Crítica” (o segundo jornal de seu pai). Roberto foi baleado na sala da diretoria do jornal com um tiro no abdômen. O disparo veio das mãos de Sylvia Seraphim, que chegou naquele dia para matar Mário Rodrigues ou seu filho, e assim o fez. Ela fora tema capa daquele dia: com a separação do marido e acusada de adultério. Sua ira, guardada para Mário, fora descarregada com uma bala em Roberto, que não resistiu e morreu alguns dias depois. Aos dezessetes anos, Nelson presenciara a primeira cena violenta de sua vida. E a morte do irmão causou, não só nele, mas em toda família, um grande impacto. Seu pai morrera três meses depois de desgosto pela morte do filho, sempre dizendo “Era para ter sido eu, e não ele”.

Em1916, aos três anos de idade, Nelson viera de Recife com a família morar na então capital do Brasil: Rio de Janeiro. Naquela época o Rio era uma cidade com 2 milhões de habitantes e era aonde as coisas aconteciam. Seu pai, Mário Rodrigues, foi um dos maiores jornalistas na década de 20: um homem valente, sem papas na língua e audacioso. A literatura direta e simples de Nelson traria esses aspectos jornalísticos dessa forte influencia paterna, afinal crescera nas redações dos jornais de seu pai, e os jornais naquela época eram os locais de encontros dos intelectuais. Aos 13 anos começara a trabalhar na redação de “A Manhã”, jornal de seu pai. E a profissão seria levada assim: a literatura e o jornal. Se bem que nem tão separadamente, já que Nelson não considerava essas distinções e aliava uma à outra.

“Nelson é resultado da sucessão de revezes que marcou sua vida pessoal e do jornalismo que praticou desde cedo.” Como assim sugerem na edição desse mês da revista BRAVO!. Todas essas bagagens o incluíram entre os pensadores da década de 30 que achavam importante decifrar o país, junto com Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda e Caio Prado Júnior. Mas nessa carreata intelectual, o carro de Nelson era a motor, com muita fumaça e em alta velocidade. Ele buscou o Brasil Profundo nos subúrbios cariocas, muito urbano e mostrando uma classe média sem pompons e sapatinhos de cristal. Mostrou e inovou em suas histórias e formatos, tornando-se, não só na minha, mas na opinião de muitos, o maior cronista da historia do nosso país.

No Teatro.

“Nelson Rodrigues representava para o palco o que trouxeram Villa Lobos para a música, Portinari para a pintura, Niemeyer para a arquitetura e Carlos Drummond de Andrade para a poesia”. Sabato Magaldi

O Anjo Pornográfico, como chama Ruy Castro em seu livro sobre a vida do autor, foi quem revolucionou o teatro moderno no Brasil, mexendo com toda estrutura dramatúrgica da época. Tratando de paixões exacerbadas e gestos exagerados, obsessões, taras, incestos e conflitos, Nelson pode ser considerado o primeiro dramaturgo brasileiro a levar o inconsciente das personagens para o palco. Escrevera 17 peças ao longo de sua vida, que inovaram no estilo, na estética e na abordagem de temas polêmicos. Na estréia da peça Vestido de Noiva, em 1943, no Teatro Municipal no Rio de Janeiro, Nelson foi aplaudido, mesmo que inicialmente com receio, por vários minutos, sendo consagrado pelos intelectuais da época como Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade.

“Minhas peças têm um moralismo agressivo. Nos meus textos, o desejo é triste, a volúpia é trágica e o crime é o próprio inferno”. Nelson Rodrigues

Trouxe, pela primeira vez no teatro brasileiro, a técnica do flashback. Colocou em cena os pensamentos das personagens, com grande profundidade psicológica, criando assim o seu Teatro Psicológico, onde as personagens estão sempre no limite entre a razão e a loucura. As Peças Psicológicas representam um meio termo na obra de Nelson Rodrigues: nem tão complexas quanto as míticas, nem tão realistas quanto às futuras tragédias cariocas.

A partir de Álbum de Família – drama que se seguiu a Vestido de Noiva – enveredei por um caminho que pode me levar a qualquer destino, menos ao êxito. Que caminho será este? Respondo: de um teatro que se poderia chamar assim – ‘desagradável’. Numa palavra, estou fazendo um ‘teatro desagradável’, ‘peças desagradáveis’. No gênero destas, incluí, desde logo, Álbum de Família, Anjo Negro e a recente Senhora dos Afogados. E porque ‘peças desagradáveis’? Segundo já disse, porque são obras pestilentas, fétidas, capazes por si sós, de produzir o tifo e a malária na platéia“. Nelson Rodrigues

O tratamento denso dado às peças Psicológicas acabou conduzindo o dramaturgo ao universo mágico de suas peças míticas. Nesta intrincada fase de sua dramaturgia, Nelson cria histórias atemporais e cheias de significados míticos, com uma narrativa complexa e as personagens desprovidas de qualquer espécie de censura. Incestos, racismo, taras, paixões, belezas proibidas e preconceitos fazem o texto de Nelson Rodrigues ficar ainda mais polêmico. As peças míticas revelam mitos e arquétipos surpreendentes ao espectador leigo, provocando desconforto na platéia e na crítica, que na época recriminou muito essa fase do autor. Mas foi essa fase que anos depois levaria o autor ao patamar de maior dramaturgo do país.

“Minhas peças são obras morais. Deviam ser adotadas na escola primária e nos seminários”. Nelson Rodrigues

Por conta da censura militar no seu Teatro Místico, Nelson começou a escrever peças que aproximavam o teatro da realidade cotidiana. Personagens comuns, banais, retrato exato de algum conhecido nosso. Gírias, frases interrompidas, futebol, malandragem e muitas gargalhas passam a fazer parte do teatro rodrigueano nesta fase chamada de Tragédias Cariocas. Foi a ascensão de Nelson: muitas montagens eram feitas, o autor enriqueceu e pela primeira vez estava escrevendo textos com tons de comédia. Com humor e piadas, Nelson continuou tratando daquilo que sempre guiou o seu teatro: a condição trágica de todo o ser humano.

Mostrou, em toda sua vida como dramaturgo, uma imensa versatilidade e inovação. E por falar em Nelson Rodrigues no teatro, devo convidá-los para o Pausa Dramática e para a peça Toda Nudez Será Castigada.

Pausa Dramática:

Dias 19 e 20 às 19 horas, no Auditório do Dragão do Mar. Grátis. Censura: 16 anos.

Considerado um grande autor teatral, Nelson Rodrigues é também cronista memorialista e romancista. Sua obra insiste em desbravar regiões ocultas e desconcertantes da alma humana. Faleceu em 1980, mas seus textos continuam a provocar o público.

  • Dia 19 – Adaptações de contos da obra A Vida Como Ela É com o Grupo 3X4 de Teatro. Em seguida conversa com o diretor teatral Thiago Arrais.
  • Dia 20 – Adaptações de Valsa Nº 6 e Toda Nudez Será Castigada com o Grupo Cabauêba. Em seguida conversa com a diretora teatral Herê Aquino.


Toda Nudez Será Castigada:

Dias 21, 22 e 23 de junho às 21h no Teatro José de Alencar. Entrada: R$20,00/ 10,00 (torrinha); R$30,00/ 15,00 demais lugares. Montagem da Cia. Armazém de Teatro (RJ). Um grande sucesso de Nelson com um dos melhores grupos do país. Prêmio Eletrobras de Teatro 2006 (melhor iluminação, melhor cenografia e melhor figurino) e indicada a Melhor espetáculo e Melhor Direção. Ou seja, um deslumbre aos olhos e imperdível!

Fontes de Pesquisa:

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A arte de adaptar.

Posted on maio 31, 2007. Filed under: Daniel Bandeira, Teatro |

O melhor da arte, seja ela qual for, é apoderar-se de técnicas, formas, materiais e outros meios para crescer e inovar-se. Considera-se o teatro como a síntese dos elementos artísticos. Sendo assim, a literatura é, provavelmente, o elemento mais sugado de todos. Tornou-se comum a arte do adaptador, que transforma o texto literário em dramaturgia. A mente do artista é um ferver intenso, e ao ler, seja qual for o tipo de texto, o artista eleva as palavras do papel e as transforma em cena em sua imaginação. Assim, fez-se crescer essa prática tão constante e tão enriquecedora no teatro: adaptar.

O romancista lida com a narração e o poeta com os versos, mas o veículo do dramaturgo é o diálogo. Aqueles também podem valer-se do diálogo, mas não em absoluto. Drama, etimologicamente, significa ação. O dialogo por si próprio não constitui ação, sendo assim as falas não sustentam isoladamente a peça. É na passagem da narração para a fala que entra o grande desafio do adaptador. Ele tem a difícil missão de desenvolver o conflito e o enredo, que no romance são expostos por um narrador, apenas sustentados em falas.

Acredito que arte é algo cíclico, nela nada se cria e nada se perde: tudo se transforma. E por isso essa constante renovação, recriação e adaptação de tudo. Contudo, essa disseminação da arte de adaptar pode ser banal. Há muitas vantagens quando se traz a trama de um livro para o palco, mas alguns podem achar que essa é uma tarefa fácil, e pecam nessa mudança de linguagem. “O diálogo teatral requer um encadeamento próprio, porque deve ser transmitido pelo ator. Sua matéria, na boca de um ser humano que o pronuncia, visa criação da personagem. No transcurso do espetáculo, instaura-se o universo teatral por intermédio da ação de personagens em cena”. O teatro é uma outra forma de linguagem, e é preciso pensar no texto de forma teatral, porque senão se perde ou a literatura ou a encenação.

Na peça as meninas o diretor e adaptador do texto, Lucas Sancho, utilizou de uma metáfora usada no próprio livro de Lígia Fagundes Teles. A idéia de que as três meninas seriam como as três pontas da base de triângulo foi trazida literalmente para o teatro, sendo o cenário um triângulo e cada uma em sua ponta. Mas no momento que um desses lados cai tudo se desmorona. Na peça A Casa o espectador é envolvido por uma ótima interpretação e um show de luz e som, contudo a peça falha um pouco na adaptação. No romance de Natécia Campos a personagem, a casa, apenas expõe os acontecimentos vistos por ela, mas na peça a personagem também toma partido destas. A narradora apresenta, em suas expressões, sentimentos com os personagens. O espetáculo é, sem dúvidas, muito bom, mas pensando na obra literária pecaria nesse ponto. Mas cabe ao espectador e leitor desfrutar daquilo que lhe é oferecido. Sendo assim, vocês podem analisar trabalhos de adaptações da literatura para o teatro que estão em cartaz nesse mês de junho. Segue abaixo as informações:

As Meninas, Grupo Cabauêba.
Adaptação do romance de Lídia Fagundes Teles por Lucas Sancho.
Sextas de junho (8, 15, 22 e 29) e julho (13, 20 e 27), 20h – Teatro Sesc Emiliano Queiroz. Sem informação de preço.

A Casa, Grupo OUSE!
Adaptação do romance de Natécia Campos por Jadeilson Feitosa.
Sábados e Domingos de junho (exeto nos dias 02 e 03), às 17h no Teatro Dragão do Mar. Entrada: R$10,00/ 5,00.

O Guarani, Grupo OUSE!
Adaptação do romance de José de Alencar por Jadeilson Feitosa.
Sábados e domingos de junho, às 20h no Teatro Paurilo Barroso (Christus Anexo). Gratuito.

Esses dois últimos espetáculos fazem parte do projeto VESTEATRO, idealizado há 10 anos pela arte-educadora Nazaré Fontenele. O projeto traz em cena adaptações dos livros indicados para o vestibular da Universidade Federal do Ceará.

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A arte do efêmero

Posted on maio 24, 2007. Filed under: Daniel Bandeira, Teatro |

“O espetáculo é uma arte efêmera, que se realiza integralmente na sua duração. A construção de esforços artísticos, em torno do efêmero, atribui ao teatro miséria e grandeza inconfundíveis.”

Assim define Sabato Magaldi em seu livro Iniciação ao Teatro. Talvez seja essa a maior contradição do teatro: ele é grandioso, mas passageiro. Considero o teatro a arte mais impalpável. Você sempre poderá ter um clássico do cinema da década de 30, uma réplica do impecável David, os sonetos do eterno Vinícius ou os embalos dançantes dos Beatles. Mas o teatro é efêmero. Cenários, figurinos, músicas, textos e outros apetrechos sempre poderão ser guardados em papéis e caixas, mas nunca se poderá guardar a magia que se foi transmitida naquele instante que durou o espetáculo. Naquele instante você vê o ator, você escuta-o. É capaz de sentir seu calor, o cheiro do seu suor e até mesmo sentir o gosto das palavras. Público e ator estão um em face do outro. Os sentidos aguçam para que nenhum momento seja perdido. Cada momento é único: jamais será sentido aquilo novamente, jamais será alcançado aquele momento novamente. É esse o encanto do teatro, é a magia de ser efêmero.

Em nenhuma outra arte você é tão artista quanto nessa, afinal há três elementos básicos para existir teatro: ator, texto e público. E o último é, sem dúvidas, o mais importante. Apenas em poucas áreas contemporâneas se faz arte pensando no espectador. Mas no teatro o público é parte da arte, daí estuda-se o espetáculo, desde a construção do texto, pensando nesse elemento funcional à arte dramática. Por conta de sua efemeridade o teatro necessita de um público no momento exato de sua arte, sem ele não há espetáculo. Isso é o que o limita, mas o torna a mais intensa e viva de todas as artes. Ele é um turbilhão inusitado jogado ao espectador sem direito a segundo momento.

É dessa bomba-relógio pronta para explodir no momento da catarse (ou não) que irei analisar e criticar. Infelizmente nosso estado tem uma produção teatral intensa, porém pouco aproveitada. Sendo assim usarei o espaço para também divulgar espetáculos e eventos. E como fazedor de teatro na nossa cidade, os convido para a Bienal de Teatro – O Estudante Em Cena.

A Bienal é um momento de confraternização com os amantes de teatro das escolas de Fortaleza. Em sua 4ª edição conta com a presença de 14 colégios, apresentando 17 espetáculos, além de oficinas, gincanas, esquetes e experimentos. Todos os espetáculos são gratuitos, e vocês podem conferir toda programação na comunidade: http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=2014974&tid=2533624727160318993&start=1

Usando agora do tema escolhido pela Sara em sua coluna, farei um “merchan”:
O grupo TRAMA 7, do qual faço parte, se apresentará na Bienal no dia 25 de maio, com a peça SÓ ELES O SABEM. O espetáculos é composto por 5 cenas que são uma reflexão sobre a linguagem.

SÓ ELES O SABEM

Dia 25 de maio, sexta-feira, às 19h no Teatro Arena Aldeota (Rua Silva Paulet, 630. Colégio Christus Central). Entrada Gratuita.

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